Bondade do homem

Por Ana Lucia Santana

A FILOSOFIA DE JEAN JACQUES ROUSSEAU


A filosofia de Jean-Jacques Rousseau tem como essência a crença de que o Homem é bom naturalmente, embora esteja sempre sob o jugo da vida em sociedade, a qual o predispõe à depravação. Para ele o homem e o cidadão são condições paradoxais na natureza humana, pois é o reflexo das incoerências que se instauram na relação do ser humano com o grupo social, que inevitavelmente o corrompe.
É assim que o Homem, para Rousseau, se transforma em uma criatura má, a qual só pensa em prejudicar as outras pessoas. Por esta razão o filósofo idealiza o homem em estado selvagem, pois primitivamente ele é generoso. Um dos equívocos cometidos pela sociedade é a prática da desigualdade, seja a individual, seja a provocada pelo próprio contexto social. Nesta categoria ele engloba desde a presença negativa dos ciúmes no relacionamento afetivo, até a instauração da propriedade privada como base da vida econômica.
Mas Rousseau acredita que há um caminho que pode reconduzir o indivíduo à sua antiga bondade, o qual é teorizado politicamente em sua obra Contrato Social, e pedagogicamente em Emílio, outra publicação essencial deste filósofo. Ele crê que a carência de igualdade na personalidade humana é algo que integra sua natureza; já a desigualdade social deve ser eliminada, pois priva o Homem do exercício da liberdade, substituindo esta prática pela devoção aos aspectos exteriores e às normas de etiqueta.
Em sua obra Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens, Rousseau discorre sobre a questão da maldade humana. Para melhor analisar esta característica, ele estabelece três etapas evolutivas na jornada do Homem. O primeiro estágio refere-se ao homem natural, subjugado pelos instintos e pelas sensações, sujeito ao domínio da Natureza; o segundo diz respeito ao homem selvagem, já impregnado por confrontos morais e imperfeições; segue-se, então, a condição do homem civilizado, marcada por intensos interesses privados, que sufocam sua moralidade.
É neste processo que o indivíduo se converte em um ser egoísta e individualista, convertendo sua bondade natural, gradualmente, em maldade. O Homem abre mão de sua liberdade e assim se desqualifica enquanto ser humano, pois se vê despojado do principal veículo para a realização espiritual. A solução apontada por Rousseau para esta situação é enveredar pelos caminhos do autoconhecimento, através do campo emotivo da Humanidade.
Na esfera da educação, exposta no Emílio, ele teoriza filosoficamente sobre o Homem. Sua principal inquietação, neste ponto, é saber se educa o indivíduo ou o cidadão, já que, para ele, estas duas facetas não podem conviver no mesmo ser, por serem completamente opostas.
Rousseau defende a formação do homem natural no seu lar, junto aos familiares, por constituir um ser integral voltado para si mesmo, que vive de forma absoluta. Já o cidadão deve ser educado no circuito público proporcionado pelo Estado, pois é tão somente uma parte do todo, e por esta razão engendra uma vida relativa. O aprendizado social, segundo o filósofo, não produz nem o homem, nem o cidadão, mas sim um híbrido de ambos. Aliar os dois implica investir no saber do ser humano em seu estágio natural – por exemplo, a criança –, e o cidadão só terá existência a partir desta condição, a qual tem como fonte a Natureza e como fio condutor a trajetória individual.
FONTE: https://www.infoescola.com/filosofia/a-filosofia-de-rousseau/
Acesso em 03/04/2020 - 02:21

Jean-Jacques Rousseau

O homem é bom por natureza

José Renato Salatiel
Especial para a Página 3 Pedagogia & Comunicação

Recentemente, a Funai (Fundação Nacional do Índio) mapeou 39 grupos indígenas que vivem isolados na Amazônia e que, em tese, nunca tiveram qualquer contato com o "homem branco".
Neste estado "primitivo", o homem viveria em harmonia com seus semelhantes, livre da violência que aflige as grandes cidades? E, no caso do "homem civilizado", a ciência que o tornou dependente de tecnologias como luz elétrica e aparelhos celulares também contribuiu, de alguma forma, para sua evolução moral?
Para o filósofo Jean-Jacques Rousseau (1712-1778), que viveu numa época em que não existia luz elétrica e, muito menos, aparelhos celulares, as respostas a estas perguntas podem ser respondidas da seguinte forma: "O homem nasce livre, e por toda a parte encontra-se a ferros". Com isso, ele quer dizer que o homem possui uma natureza boa que é corrompida pelo processo civilizador.
Neste caso, bastaria irmos para a floresta e viver como nossos antepassados para sermos felizes? Não é essa a proposta de Rousseau. Em sua obra "Do Contrato Social" (1757/ 1762) ele reflete sobre como deveriam ser as instituições para que possamos ter uma organização social mais justa, que preserve a liberdade, bem supremo do homem.
Sentimento
Rousseau não construiu um sistema filosófico, como Aristóteles ou Kant, por exemplo, mas apresentou contribuições originais não somente à filosofia, mas também à pedagogia e à teoria política, influenciando movimentos políticos e intelectuais europeus como a Revolução Francesa e o Romantismo alemão.
Sua teoria da bondade natural do homem pode parecer estranha e, mesmo no século 18, foi objeto de escárnio por parte de filósofos como Voltaire. Contudo, a crítica de Rousseau é direcionada aos poderes exacerbados da razão e da ciência, que ele foi o primeiro pensador a questionar em plena vigência do Iluminismo.
É muito comum agirmos de maneira polida e educada mesmo quando, na verdade, queremos prejudicar, manipular ou levar vantagem sobre os outros. Para Rousseau, certas normas sociais estabelecidas nos grandes centros urbanos afastaram, desta forma, o homem de sua verdadeira natureza. O caminho para este conhecimento primordial, segundo ele, é o sentimento, não a razão e o progresso científico.
Razão põe ordem no mundo, talvez em demasia, segundo o filósofo suíço. Era preciso então sentir o mundo. E qual a forma de fazer isso, senão buscando uma comunhão com a natureza, que em suas formas é pura expressão de sentimento e liberdade, que experienciamos ao contemplar um pôr-do-sol ou quando caminhamos descalços na praia?
Ao dizer isso, Rousseau rompeu também com toda uma tradição do determinismo, proveniente de uma linha de começa com Bacon e Galileu até Newton e Einstein, e que concebia o universo como um relógio preciso.
Seria necessário então, voltando à questão inicial, abrir mão de toda comodidade da vida moderna, como fez a personagem Danielle Rousseau do seriado "Lost" (inspirada no próprio filósofo)?
O contrato social
A metáfora do "bom selvagem" é somente uma forma que Rousseau encontrou para questionar a filosofia iluminista e a política moderna. O problema do "Contrato" é como resguardar a justiça e a liberdade do estado de natureza no meio social.
Para responder às suas necessidades de conservação, o homem precisa desenvolver habilidades e alterar a natureza, produzindo cultura. Sozinho, ele não teria como garantir sua sobrevivência. Busca, então, socializar-se.
Os homens primeiro se reuniram em pequenas comunidades, formadas por grupos familiares, o que Rousseau caracteriza como a "idade de ouro" da humanidade. Em seguida, nas primeiras formas de ordenação social e política, foi preciso exigir a obediência dos mais fracos aos mais fortes (regimes de escravidão), afastando o homem, assim, de sua condição igualitária.
Em Rousseau, portanto, é fundamental substituir a liberdade natural, irrestrita mas subordinada ao poder do mais forte (e sempre haverá alguém mais forte para assumir a liderança), pela liberdade convencional, sustentada pela criação de um pacto social, de forma a equilibrar ordem e justiça.
A principal cláusula deste contrato social afirma que "cada um, dando-se a todos, não se dá a ninguém". Quer dizer, somente garantindo a liberdade de todos é que as liberdades individuais serão também preservadas.
Um fumante, por exemplo, tem o direito de fumar. No entanto, essa liberdade não pode ferir a de um não-fumante, que em um recinto fechado vai inalar a mesma fumaça de cigarro involuntariamente. Como resolver isso? Criam-se regras, ao acordo de todos e que todos devem seguir, restringindo o fumo em locais adequados, de modo a conservar a liberdade tanto de fumantes quanto de não-fumantes.
Vontade geral
Desse modo, para que o pacto funcione, diz Rousseau, os cidadãos devem se submeter à vontade geral, que é soberana. Uma vez firmado o contrato, todos devem obedecer o que ficou deliberado por todos, não somente por uma maioria.
Ou seja, o filósofo não reconhece a representatividade, como vereadores, prefeitos, etc. Para ele, a soberania se exerce pela vontade popular, logo, pela participação direta do povo. Participação que não se resumiria a comparecer às urnas, por exemplo, mas em que cada cidadão tivesse participação efetiva nas decisões que afetem a comunidade.
Esta total submissão a um Estado, que expressa a vontade geral, pode parecer um tipo de totalitarismo, em que o indivíduo se submete integralmente à coletividade, a ponto de abrir mão de seu livre-arbítrio. Mas deve-se atentar que: 1) Rousseau subordina a liberdade individual à coletiva para afirmar a primeira; e 2) uma vez que este Estado não expresse mais a vontade geral, o povo tem o direito de derrubar o governo (apesar de Rousseau preferir as armas da educação do que as da revolução para isso).
Força não estabelece direitos: o poder só é obedecido quanto ele for legítimo e, para Rousseau, ele só é legítimo na medida em que se respeita o contrato.
O grande problema em Rousseau é aplicar suas teorias à prática. Formas de governo, como a democracia, demandam aperfeiçoamentos constantes. E nenhum sistema político e econômico foi perfeito o suficiente para equilibrar igualdade e liberdade. O contrato social, no entanto, continua servindo de inspiração para dilemas que acompanham o homem contemporâneo.
 
Leitura: "Do Contrato Social" é um clássico que possui várias traduções para o português. Recomendo a tradução da professora Maria Constança Peres Pissara, com prefácio de Bento Prado Júnior, publicada pela Editora Vozes. A obra também foi publicada na coleção "Os Pensadores", da Editora Abril Cultural. As duas edições podem ser encontradas em sebos.
 
José Renato Salatiel, Especial para a Página 3 Pedagogia & Comunicação é jornalista e professor universitário.
FONTE: https://educacao.uol.com.br/disciplinas/filosofia/jean-jacques-rousseau-2-o-homem-e-bom-por-natureza.htm
Acesso em 03/04/2020 - 01:45

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Palavras chave:
“Rousseau, razão, vontade geral, liberdade, pacto social, natureza humana, organização social justa, o Contrato Social, poder, livre-arbítrio, representatividade, filosofia iluminista, homem civilizado, confrontos morais”

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